sexta-feira, 9 de julho de 2010

Uma Perspectiva de Ecossistema para PD&I

Há bastante tempo venho pesquisando o tema “Eccossistema de PD&I” (Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação). Mais recentemente estudo a inovação aberta, disruptiva, inovação de valor e colaboração em massa. Atualmente, empresas, governos e universidades devem criar redes, desenvolver parcerias e aceitar idéias externas, vindas de outras empresas, governos, universidade ou de profissionais de mercado. Neste post, porém, gostaria de abordar o conceito clássico de ecossistema de PD&I, sob o ponto de vista da colaboração dos três atores principais: Empresas, Governo e Universidade e debater alternativas para o assunto. Estava lendo um livro de Administração Estratégica de Hitt et al e me deparei com um texto interessante: “As oportunidades empreendedoras são condições nas quais novos produtos ou serviços conseguem atender a uma necessidade do mercado. Para serem empreendedoras, as empresas devem desenvolver mentalidades empreendedoras entre seus gerentes e funcionários”. Aproveitei e tentei pesquisar algo relacionado em outro livro bem conhecido: “Empreendedorismo” de Baron & Shane da Case Western / Rensselaer Polytechnic. Os autores demonstram que o processo empreendedor começa, de fato, com o reconhecimento do potencial para algo novo nas mentes de um ou mais indivíduos que, se optarem por desenvolver essas oportunidades, se tornarão empreendedores. A mudança tecnológica é a fonte mais importante de oportunidades. Possibilitam que as pessoas façam as coisas de forma nova e mais produtiva. Os autores citam também outras fontes da inovação como mudança política, regulatória, social ou demográfica.

“As idéias não surgem do nada, elas quase sempre são uma combinação nova de elementos já existentes. O que é novo é a combinação – não os componentes que fazem parte dela.”
Baron & Shane

As idéias não surgem do nada. Steve Jobs já falava que inovação tem a ver com criatividade, com juntar as coisas de formas únicas. Criatividade é apenas conectar as coisas. Quando você pergunta a pessoas criativas como fizeram alguma coisa, elas se sentem um pouco culpadas, porque, na verdade, não fizeram aquilo; elas só viram aquilo. A coisa lhes pareceu tão óbvia, depois de certo tempo, porque conseguiram conectar experiências que tiveram e sintetizar coisas novas. E o motivo pelo qual elas conseguiram fazer aquilo é que tiveram mais experiência ou pensaram mais sobre suas experiências do que outras pessoas.

Bem, e quanto ao Ecossistema de PD&I. Sabemos que a inovação é o principal resultado que as empresas buscam por meio do empreendedorismo e é geralmente a fonte do sucesso competitivo, especialmente em ambientes altamente competitivos, a exemplo do segmento de tecnologia da informação. Sbragia et al no livro “Inovação” (leitura essencial sobre ecossistema de inovação) descrevem que a inovação é um processo sistêmico, que envolve inúmeros autores que atuam segundo lógicas e prioridades distintas, e que só se realiza em um ambiente estimulante e catalisador de competências e iniciativas de cada um. Esta definição tem tudo a ver com ecossistema da inovação. Faz lembrar também do conceito da Hélice Tripla, que foi criada para descrever a cooperação moderna entre os diversos atores do processo de inovação – universidade, indústria e governo. Cada entidade assume, cada vez mais, o papel de outras – as universidades, por exemplo, assumem postura empresarial, licenciando patentes e criando empresas de base tecnológica, enquanto empresas desenvolvem uma dimensão acadêmica, compartilhando conhecimentos entre elas e treinando seus funcionários em níveis cada mais elevados de qualificação (ex. universidade corporativa). Existe então uma formação de redes formadas pelo governo, empresas e universidades.

Por sua vez, para incentivar a inovação dentro das empresas e universidades, o governo exerce um papel fundamental no ecossistema de apoio ao empreendedor. O empreendedorismo pode transformar as economias. O professor Silvio Meira da UFPE/Cesar define a inovação como uma cadeia de valor de investimento empreendedor que tenha inovação como seu alvo principal. Segundo ele, Não se cria empresa inovadora de tecnologia com tecnologia, mas com dinheiro. A principal infraestrutura de inovação do Silicon Valley não é a universidade, nem os empreendedores de garagem ou de dormitório universitário, mas a capacidade inovadora do capital empreendedor. Mas, será o Vale do Silício é um guia ideal para um eccossistema brasileiro. Vejamos ...

Na edição de junho/2010 a revista Harvard Business Review publicou um artigo interessante sobre o tema: “Como lançar uma revolução empreendedora” de Daniel Isenberg do Babson College. O autor sugere nove ações que devem ser integradas num sistema holístico para a criação de um ecossistema de sucesso. Não queira reproduzir o Vale do Silício. A ambição de criar outro Vale do Silício leva muitos governos à frustração e ao fracasso. Ninguém duvida que é o exemplo acabado de ecossistema empreendedor. Porém, o autor afirma que a inveja é um péssimo guia por três razões. A primeira é que, ironia das ironias, nem mesmo o Vale do Silício poderia, hoje, se transformar no que é. Seu ecossistema evoluiu sob circunstâncias únicas: uma forte indústria aeroespacial local, a cultura aberta da Califórnia, a relação de apoio da Stanford University com o setor, a profusão das invenções da Fairchild Semiconductor, uma política de imigração liberal para alunos de doutorado e também ... pura sorte, entre outras coisas. O Vale do Silício é, além disso, alimentado por uma superabundância de conhecimento tecnológico e técnico. Desenvolver uma “indústria baseada no conhecimento” é uma meta admirável, mas para atingi-la é preciso um investimento maciço em educação durante toda uma geração, bem como a capacidade de desenvolver propriedade intelectual de primeira categoria. O local tem igual poder também de atrair empreendedores já feitos, que rumam para lá de todas as partes do mundo.

Deve-se casar o ecossistema às condições locais. Os líderes e pesquisadores públicos podem e devem promover soluções caseiras – baseadas na realidade de suas circunstâncias específicas (recursos naturais, localização geográfica, cultura). O governo deve envolver desde o começo a iniciativa privada. O poder público não pode criar um ecossistema sozinho. Somente o setor privado tem a motivação e a perspectiva para desenvolver um mercado com fins lucrativos que se auto-sustente. Deve ser priorizadas iniciativas de alto potencial. Muitos programas em economias emergentes distribuem recursos escassos por um sem-fim de empreendimentos na base da pirâmide. E, com efeito, alguns deles elevaram radicalmente a renda de certos segmentos da população. Mas concentrar os recursos ali em detrimento de empreendimentos de alto potencial é um erro gravíssimo na opinião do autor. Marque cedo um grande gol. Um sucesso visível logo cedo ajuda a reduzir a percepção de barreiras ao empreendedorismo e de riscos. Até um sucesso modesto pode ter um impacto.

"Um caso de sucesso, ainda que único, pode ter um incrível efeito estimulante sobre um ecossistema de empreendedorismo – ao despertar a imaginação do público e inspirar imitadores."
Daniel Isenberg, HBR 06/2010

Festeje abertamente os sucessos. O governo não deve medir esforços para celebrar empreendimentos que dão certo. Eventos de mídia, premiações altamente divulgadas, discursos e entrevistas do poder público exercem impacto. Encare o desafio da mudança cultural. Mudar uma cultura profundamente arraigada é extremamente difícil. A mídia pode exercer um papel importante na mudança de atitudes. Um exemplo: página semanal de histórias de sucesso de novas empresas. Seja exigente. É um erro encher o empreendedor, mesmo de alto potencial, de dinheiro fácil. Todo novo empreendimento deve ser exposto logo cedo aos rigores do mercado. Não planeje demais o cluster. Ajude-o a crescer organicamente. Popularizado por Michael Porter, a estratégia de cluster foi promovida mundialmente. Aqui no Brasil conhecemos como Polos de Tecnologia. Um governo deve fortalecer e explorar clusters existentes e em formação, e não tentar criar um inteiramente novo. Um cluster se forma quando o local apresenta uma base de vantagens. Reforme sistemas jurídicos, burocrático e regulatório. É necessário ter o sistema certo. Eliminar barreiras legais, de impostos e administrativas à formação de empresas é melhor do que criar incentivos para a superação dos obstáculos. Finalmente o autor sugere um questionário bem interessante para saber se os governos realmente possuem os elementos essenciais de um ecossistema empreendedor.

O Journal “Research-Technology Management” também traz algo sobre o assunto na sua edição de 12/2009. Um fator que determina uma competitividade de uma nação é o chamado “Innovation Ecosystem”, o qual inclui uma combinação de fatores relacionados com a criação de um ambiente amigável para a inovação (innovation friendliness) e também disponibilidade de capital de investimentos - ou capital empreendedor, na visão de Silvio Meira. A revista faz uma comparação interessante entre as competências dos CEOs do Hsinchu Science Park de Taiwan (400 empresas de tecnologias e responsáveis por 10% do PIB daquele país) e os CEOs do Vale do Silicio, mas as comparações param por aí. O governo reforçou vários elementos do ecossistema mais ou menos simultaneamente. Incentivou a pesquisa sobre o projeto e a produção de circuitos integrados, criou o Hsinchu Science Park perto de Taipei, passou a promover programas de capacitação na área de circuitos integrados, criou vínculos com empresários taiwaneses do setor de tecnologia radicados nos Estados Unidos e aprovou leis para incentivar o desenvolvimento de uma indústria de capital de risco local. Ainda na Research-Tecnology Management, em um artigo sobre “Outsourcing Innovation”, dois pesquisadores do INSEAD concluíram, a partir de um estudo, que dentro do conceito de Ecossistema de PD&I, existe cada vez mais atividades de inovação e serviços sendo realizados dentro do ecossistema, por qualquer ator envolvido e não apenas por um monopólio. Isto lembra a Hélice Tripla.

O poder público precisa explorar toda experiência local disponível e se lançar a uma contínua experimentação. Por exemplo, mudar uma variável (ex. sistema jurídico/regulatório) de forma que constate se essas mudanças afetam uma ou mais variáveis (ex. maior participação da iniciativa privada).”

No Brasil, temos casos excelentes de ecossistemas, dentro de um perfeito conceito da Hélice Tripla, a exemplo de uma parceira recente entre a Natura (iniciativa privada), Embrapa Recursos Genéticos/Biotecnologia (governo) e a Funarbe da Universidade Federal de Viçosa (universidade). O projeto visa utilizar técnicas e processos inovadores no campo da genética voltada para a conservação, caracterização, valoração e uso de duas espécies de extrema importância para o agronegócio brasileiro: a erva-mate e a castanha do brasil. Quando Lula falou sobre criar uma Embrapa da indústria, concordo tecnicamente com ele. Porque não uma Embrapa da Tecnologia da Informação ou uma Embrapa da Saúde também?. O trabalho fundamental da Embrapa em inovação na agricultura é bem conhecido. Muitos resultados de PD&I possuem a característica de serem bens públicos, com benefícios sociais superiores aos privados. A falta de apropriabilidade dos retornos aos investimentos torna a pesquisa não atrativa para as empresas privadas. Existe também a incerteza na obtenção de resultados. Empresas privadas, aversas ao risco, pela própria natureza de sobrevivência, tendem a aplicar menos recursos em pesquisa do que o recomendado para se obter o máximo de bem-estar para toda a sociedade. Se existem retornos crescentes à escala, pode-se esperar a existência de algum tipo de monopólio nesse mercado. Pequenos empresários dispersos demandam tecnologias, mas não têm capacidade, nem financeira nem organizacional, para assumirem tamanho risco na geração delas. Grandes empresas que realizam pesquisas têm mais chances de distribuírem os custos fixos, de uma dada inovação, sobre mais unidades de produto do que uma firma pequena. Nesse aspecto a pesquisa e a transferência de tecnologia para a iniciativa privada é uma alternativa de ecossistema que pode ser explorada de forma maior pelo governo brasileiro, buscando também formas de remuneração sem onerar o empreendedor.

Para promover as mudanças fundamentais em meio a tantas incertezas, é preciso que o governo brasileiro, em parceria com institutos de pesquisas, iniciativa privada e com universidades experimente e aprenda em caráter permanente. As iniciativas não podem ser desperdiçadas na busca de uma meta impossível de um ecossistema (ex. criar outro Vale do Silício). Soluções caseiras podem e devem ser promovidas. A Embrapa é um exemplo.